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O jogador que passou 16 anos no Bayern de Munique e quase ninguém conhece

 

Saba e seus companheiros em jogo do Bayern B (Foto: Divulgação)

Quando se fala em longevidade e lealdade no futebol, poucos nomes se destacam tanto quanto o de Christian Saba. Nascido em Gana, ele poderia ter seguido um caminho como muitos jovens promissores do continente africano: brilhar em categorias de base, ser vendido para um clube europeu de destaque e buscar uma carreira de visibilidade na elite do futebol mundial. No entanto, Saba construiu uma trajetória única e improvável, dedicada quase que inteiramente ao time B do Bayern de Munique.

Mesmo longe dos holofotes do time principal, Saba virou referência no Bayern II, sendo peça-chave na formação de gerações de jovens talentos. Sua trajetória é um exemplo raro de lealdade e constância, algo cada vez mais incomum no futebol moderno.

O início em Gana

Christian Saba deu seus primeiros passos no futebol com a camisa do Heart of Oaks, time de sua cidade, e que é um dos principais clubes de Gana. O defensor era figurinha carimbada nas seleções de base.

Em 1995, aos 16 anos, se destacou na disputa da Copa Africana de Nações sub-17, a ponto de chamar a atenção de um olheiro do Bayern de Munique, algo que, inicialmente, o jogador e o seu treinador não acreditavam. Foi só após uma ligação de Franz Beckenbauer que não restaram dúvidas sobre o interesse bávaro.

Na sequência, foi campeão mundial sub-17, passando chamar a atenção de times da Inglaterra, Holanda e Bélgica, mas ele desembarcou em Munique em agosto de 1995. Por vir de Gana, surgiram muitos comparativos com Samuel Kuffour, seu conterrâneo e que marcou época no clube, com 277 jogos e títulos importantes, como seis Campeonatos Alemães e uma Liga dos Campeões.

Perrengues na Alemanha

(Foto: Divulgação)

Saba chegou em solo alemão trazendo apenas uma bolsa esportiva e viu a neve pela primeira vez em sua vida. Ele conta que, certa manhã, acordou e, ao ver tudo branco pela janela, imaginou que o treino seria cancelado e voltou a dormir. Acabou sendo acordado pelo treinador Reiner Ulrich para participar de um treinamento no bosque e, mesmo se enchendo de roupas, sentiu muito frio.    

Nos treinamentos, as primeiras impressões foram positivas, com a comissão técnica elogiando seu jogo aéreo e sua capacidade de desarme. Depois de alguns jogos no time sub-17, acabou sendo promovido à equipe B.

Mesmo em ascensão no time, o zagueiro não falava alemão e teve dificuldades para se adaptar ao país. A saudade de casa falava mais alto, tanto que, em certa ocasião, sua conta telefônica chegou a 10 mil marcos alemães. Outra preocupação dos dirigentes, era que, em determinados momentos, Saba simplesmente sumia por ter voltado para Gana. 

Questionado pelos dirigentes, o jogador disse que estava cuidando de sua mãe doente. A desculpa não convenceu, e ele estava indo visitar sua namorada na verdade. Compreensíveis, a direção permitiu que Saba viajasse para Gana, onde acabou se casando. Depois disso, ficou acordado que suas idas à terra natal só aconteceriam durante as férias de verão e inverno.

A chance (única) na Bundesliga

(Fotos: Divulgação)

Sem conseguir espaço no time principal, Saba foi emprestado ao Hertha Berlin em janeiro de 1999. Durante sua curta estadia na capital alemã, entrou em campo apenas uma vez: participou por dez minutos na última rodada da Bundesliga, em duelo contra o Hamburgo – essa foi a única aparição do ganês na elite alemã.

Na temporada 1999/00 foi novamente emprestado, agora para o Arminia Bielefeld. Apesar de ser treinado por Hermann Gerland, um velho conhecido dos bávaros por sua passagem pelas categorias de base do clube, a relação entre os dois não foi boa desde o início. O técnico concedeu dois dias de folga para que o defensor organizasse sua mudança para a nova cidade, mas Saba simplesmente desapareceu ao voltar para Gana, reaparecendo apenas uma semana depois.

Se não bastasse o péssimo cartão de visitas, Saba passou a conviver com dores no joelho, que comprometeram sua velocidade. Para piorar, cometeu mais um deslize ao se reapresentar atrasado após as férias de Natal. Todos esses fatores fizeram com que o defensor sequer entrasse em campo pelo novo clube, retornando a Munique no início de 2000.

O ultimato em Munique

(Foto: Divulgação)

A volta para Munique não foi fácil. Saba foi liberado para treinar com o time B, mas não teve autorização para jogar até o final da temporada. Além disso, reencontrou Hermann Gerland, com quem teve desavenças no Arminia Bielefeld – a relação entre eles havia mudado completamente. A diretoria deu um ultimato ao jogador: mais um erro, e ele seria dispensado imediatamente. Com a cabeça no lugar, voltou a ganhar minutos em campo e assinou um novo contrato com os bávaros.

Mesmo recebendo propostas de times da segunda divisão alemã, Saba as recusava, muito por causa de Gerland, que o apoiou nos momentos difíceis. Permanecer em Munique era também uma forma de gratidão. Ganhando destaque nas categorias de base, o defensor passou por um grande susto em 2001, quando quase precisou encerrar a carreira devido a danos na cartilagem do joelho. Após consultar diversos médicos, conseguiu retornar aos gramados depois de uma longa recuperação de dois anos.

Desportivamente, o ano de 2004 foi um dos melhores da carreira do defensor. O time B do Bayern conquistou o título da Regionalliga e fez uma campanha histórica na Copa da Alemanha, chegando até as quartas de final, quando foi eliminado para o Werder Bremen.

Apesar de ter treinado com a equipe principal e até figurado no banco de reservas em algumas ocasiões, Saba não teve minutos com o time de cima. Ainda assim, foi considerado uma peça importante no desenvolvimento de jovens talentos, como Hummels, Badstuber e Alaba, com quem teve a oportunidade de ter atuado nas categorias de base, além de ver o surgimento de outros nomes, como Schweinsteiger, Kroos e Muller.

Ao todo, foram 16 temporadas defendendo o Gigante da Baviera, com 342 partidas disputadas e 12 gols anotados. Em 2011, aos 33 anos e após conviver com muitas dores no joelho, seu ciclo no clube chegou ao fim. Embora tivesse planos de voltar para Gana, Saba foi convencido por Gerland a permanecer na Alemanha.

Em 2015, Uli Hoeness reencontrou Saba por acaso em um supermercado. Ao perceber que o agora ex-jogador parecia em dificuldades, o presidente do clube decidiu mais uma vez estender a mão: ofereceu-lhe um cargo nas categorias de base. Seu começo foi como assistente e, com o tempo, virou técnico do time sub-19, função que exerceu até 2022.

Carreira na seleção

(Foto: Ghana Soccernet)

Depois de se tornar jogador do Bayern, Saba disputou os Jogos Olímpicos de 1996, nos Estados Unidos. Titular da seleção ganesa, anotou dois gols contra a Itália, mas acabou sendo o vilão nas quartas de final, ao ser expulso na eliminação para o Brasil.

Ele ainda teve a oportunidade de disputar quatro partidas com a seleção principal de Gana. Sua estreia foi em 1996, diante de Angola. No ano seguinte, enfrentou Zimbábue, Serra Leoa e Gabão. Em todas as partidas, atuou durante os 90 minutos.

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